sábado, 1 de agosto de 2015

Os Caminhos da Savana

Haverá sempre mais uma estória para contar sobre a saga da 3441 por terras africanas. O problema é que, muito provavelmente, eu nem sequer as conheça. Já não se trata de devaneios da memória, é mesmo assunto esgotado.
Mas, por qualquer razão, o comentário do Cabrita postado na última crónica, fez-me recordar mais um pequeno episódio que, não obstante ser coisa de somenos, nos deixou, a todos, perplexos, especialmente se tivermos em atenção que, por essa altura, ainda estávamos em início de habituação aos rigores daquela terra estéril e hostil e pouco ou nada sabíamos acerca das capacidades das gentes que por ali habitavam.
Da grande operação ao Esquadrão, sei pouco, e mesmo esse pouco, apenas de ouvir contar. E tudo porque não participei nessa grande primeira aventura belicista da companhia que meteu ataques ao solo com os velhos T6 da Força Aérea, a abrir caminho para o avanço das forças no terreno que contavam com a maior parte do efectivo da companhia, quase metade da companhia de Mavinga e ainda com o precioso reforço dos grupos de GE’s da Neriquinha e Mavinga. Tenho algumas fotos a ilustrar aquela grande campanha, retiradas do acervo do Aranha. Pelo menos a fumaçada dos disparos dos  lança-granadas e dos morteiros são bem visíveis para não falar das cubatas queimadas e das trincheiras inimigas escavadas na areia.
Mas o que me veio à memória foi exactamente a recordação dos problemas de orientação e das dificuldades em definir um rumo num terreno demasiadamente plano e sem pontos de referência. Tirando uma excepção aqui e outra acolá, a paisagem mais parecia uma mesma imagem sucessivamente repetida num cenário virgem e selvagem que talvez nunca tivesse, até então, visto gente. A imagem da Dornier a indicar o caminho ilustra bem a dificuldade de, cá em baixo, definir um rumo, embora para aquela gente isso parecesse coisa singela.
Se bem se lembram, nunca antes a tropa chegara àquele local, o que, penso eu, determinou que o nosso inimigo de então tenha decidido ali instalar uma base. Era longe e não havia caminho que lá levasse. Chegar às suas imediações implicou um longo percurso a corta-mato, seguindo as indicações de um guia que mais parecia orientar-se por telepatia exigindo aos condutores das berliets especiais habilidades na condução por entre o fraco arvoredo, sem perceberem bem por onde iam. Dizia-se que se orientavam pelas estrelas mas, das vezes que presenciei tais capacidades, o guia desorientou-se logo que caiu a noite e reencontrou o caminho mal nasceu o sol. De uma das vezes cheguei a pensar que o homem conhecia cada árvore daquela imensa savana.
Recordo-me do Gabriel contar  a aventura que foi a grande viagem através de matas e chanas desde as pontes do Cúbia até às imediações do estrutura inimiga que apelidámos de “o esquadrão”. Fiz esse caminho, mais tarde, pelo menos uma vez. Mas nessa altura já a picada estava claramente desenhada no terreno arenoso. Para isso, bastou passar duas vezes pelo mesmo sítio. Era assim que se construíam caminhos nas terras do fim do mundo. Mas, naquele momento ainda nada disso existia. Apenas areia afogueada de calor sem caminhos que se pudessem seguir.
O episódio passou-se no fim da operação. Havia que fazer de novo o caminho até àquele remoto lugar, recolher o pessoal e regressar. Para isso foi preciso encontrar um guia, alguém que conhecesse bem a zona. E, pelos vistos, isso não foi coisa difícil. Alguns da população da Neriquinha teriam vivido por ali antes da guerra que os empurrou para junto da cerca de arame farpado que delimitava o quadrado, afogado em pó, que nos serviu de morada por mais de dezoito meses. E aquele que veio a ser escolhido demonstrou que, de facto, conhecia bem os andanhos daquelas matas incaracterísticas.
Sentou-se sobre os sacos de areia do rebenta-minas, braço estendido para a frente qual agulha de uma bússola humana e foi apontando o rumo, movendo o braço ora à direita, ora à esquerda. Contornaram árvores, rodearam chanas, passaram sobre charcos, choveu torrencialmente, caiu a noite e o guia continuava a indicar o caminho como se tivesse de memória cada árvore, cada recanto, cada acidente de terreno não obstante tudo parecesse igual, numa paisagem imutável e agreste.
De repente, sem que ninguém o esperasse, fez sinal para parar. Inicialmente pensou-se que vira algo, alguma ameaça, uma emboscada. Pensou-se o pior. Mas o homem, saltando da viatura, embrenhou-se na mata de onde regressou, pouco tempo depois, trazendo na mão uma panela de ferro, escura e enferrujada pelo tempo e pelas intempéries.  Simplesmente recordara que, anos antes, quiçá fugindo com a família às vicissitudes da guerra, deixara para trás aquele utensílio doméstico.
Pelos vistos, nunca esqueceu o lugar onde a deixou. Recolhia-a, agora, como se fora algo muito precioso. Não me admiro nada que, para ele, aquela panela fosse uma relíquia. Provavelmente, algo que lhe trazia à memória recordações que o advento da guerra apagara.

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Essas savanas da região do Cuando CubaNGO, viram-me acordar durante os ultimos 4 anos coloniais, a fazer estradas.

E como no 25 de Abril assisti à chegada envergonhada de uns putos armados, descalços da UNITA e os garbosos de camuflado desarmados do MPLA (Chipenda) a Serpa Pinto, só me pergunto qual seria a cara daqueles povos a viver como há 500 anos, quando aqueles estranhos da UNITA, MPLA, e FNLA, lhe entregavam um pau com uma bandeira e lhe davam uma medalha e lhe diziam que era àquilo que tinham que fazer a continência.

Será que também haverá ganguelas em Calais e Lampedusa?

Guineenses sei que vieram muitos, até um servente meu veio num contentor para Cadis Espanha.

Também há bichas de transmontanos e algarvios e lisboetas à porta da embaixada de Angola a pedir vistos de 3 meses para Angola.

Cumprimentos